Contexto Urbano
Os chamados vazios urbanos são áreas obsoletas, dotadas de infra-estrutura provida com recursos públicos à espera de uso apropriado às suas condições. Essas lacunas no tecido urbano tornam-se ainda mais problemáticas quando são ocupadas irregularmente por famílias de baixa renda. Nesse contexto, a partir da demanda de órgãos governamentais, surge o interesse em desenvolver um projeto que viabilize a adaptação de um imóvel desativado para fins habitacionais, propondo soluções adequadas à moradia de interesse social.
Desenvolvido através da parceria entre o Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro – Iterj e a Universidade Federal Fluminense – UFF, o estudo em questão tem como protagonista a comunidade Nova Era, situada em Ramos, região metropolitana do Rio de Janeiro. Esse assentamento relativamente recente resulta da ocupação de galpões desativados pertencentes à Empresa Brasileira de Telecomunicações – Embratel. A proposta de reassentamento habitacional desenvolvida neste projeto é calcada em estudo de reconhecimento da área e de seu entorno imediato, elaborado a partir de levantamento físico e fotográfico, questionário socioeconômico preparado pela equipe, depoimentos dos moradores e contato com órgãos públicos e privados atuantes na área.
Comunidade Nova Era
A Comunidade Nova Era é apenas mais um caso de ocupação irregular dentre tantos outros ao longo da história urbana do Complexo de Manguinhos, que já dura cerca de 100 anos, na cidade do Rio de Janeiro. Antiga área de mangues e alagadiços, agora aterrados, a região apresenta características de segregação espacial relacionadas ao uso do solo e ao processo desigual de expansão urbana da cidade.
Área predominantemente industrial, Manguinhos é rasgada por grandes eixos municipais de circulação: a Avenida Brasil, rodovia de entrada e saída da cidade; a linha férrea, primeiro pólo indutor de crescimento urbano; e as linhas Amarela e Vermelha, vias expressas que encurtam distâncias entre os principais pólos da cidade, ligando bairros de diferentes níveis socioeconômicos.Influenciada pela violência e o tráfico de drogas, associados à crise econômica do país, a região sofre com um fenômeno intenso de desvalorização do solo, aumentando cada vez mais o número de imóveis industriais abandonados e de assentamentos irregulares. A Rua Leopoldo Bulhões, apelidada "Faixa de Gaza" pela polícia e pela imprensa, sofre freqüentes tiroteios e confrontos armados entre traficantes e policiais. É a violência urbana contribuindo decisivamente para o esvaziamento econômico da área.
Atualmente o bairro abriga grande número de conjuntos habitacionais, ocupações e assentamentos irregulares e favelas que formam o Complexo de Manguinhos, totalizando cerca de 12 mil domicílios, com mais de 50 mil moradores (Bodstein et all,2001), cuja renda per capita gira em torno de R$ 148,00 (IDH). O gabarito varia de um a cinco pavimentos, conforme a consolidação e a densidade das ocupações. O padrão construtivo é de alvenaria, madeira ou sucata. Tem caráter provisório e se mantém em constante ampliação, na grande maioria com lajes em espera para futuro aproveitamento do pavimento superior. Existe uma carência local quanto a equipamentos urbanos de serviços comunitários. A oferta é pequena e geralmente distante do local de moradia.
Manguinhos apresenta, ainda, baixos indicadores de educação e saúde; insuficientes oportunidades culturais, de lazer e serviços de atendimento às necessidades essenciais, além de sofrer as conseqüências do tráfico de drogas, da exclusão social e da violência. Diagnósticos Rápidos Participativos (DRPs) realizados pela Fundação Bento Rubião (2000) informam que todas as comunidades que compõem o bairro possuem sérios problemas de esgotamento e saneamento, variando da inexistência à obsolescência.
O processo de ocupação do terreno, objeto de estudo, começa quando a Embratel desativa suas instalações em 2004, alegando não ter condições de garantir a segurança de seus funcionários. Neste período parte dos fundos do terreno destinado à expansão da empresa já havia sido ocupado, formando a comunidade Samora II (2001), mais conhecida como Embratel I. Após sucessivas invasões, surge a Comunidade Nova Era com a ocupação definitiva do terreno e suas instalações em julho de 2005.
O assentamento irregular autodenominado Nova Era, também conhecido como “Embratel II”, (referência explícita à empresa titular do terreno e do imóvel abandonado), localiza-se à Rua Leopoldo Bulhões, número 540, no bairro de Manguinhos, na cidade do Rio de Janeiro. O terreno com cerca de 30 mil metros quadrados, faz divisas com a sede da ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) e as comunidades Nelson Mandela, Samora Machel, Mandela de Pedra e Embratel I (Samora II).
O terreno, originalmente utilizado para estocagem de material, apresenta um total de oito edificações: uma guarita, uma área de estacionamento coberta, dois galpões desocupados e quatro galpões menores ocupados pelas famílias. Segundo levantamento realizado na área, ainda é inerte o processo de verticalização, e a ocupação encontra-se na fase de consolidação. Na comunidade vizinha, Embratel I, observa-se o passo posterior: as edificações em sua maioria de alvenaria, o aumento do número de pavimentos e maior número de construções de uso misto (moradia e comércio). O uso é predominantemente residencial, e nos raros casos de uso misto prevalecem os bares. A ocupação estabelece boa relação com as comunidades vizinhas e o entorno, já que depende de inúmeros serviços oferecidos por elas.
Quanto aos serviços de infra-estrutura observam-se: “gatos” e gambiarras na rede de energia elétrica; esgoto a céu aberto, lançamento de esgoto in natura nos corpos d’água ou nas redes de capitação das águas pluviais; coleta de lixo ineficaz e ou inexistente; sobrecarga na rede de água oficial; telefonia pública deficiente; destinação final do lixo inadequada, etc.
A maioria dos moradores trafega grandes distâncias para obter serviços de saúde, utilizando-os principalmente daqueles localizados nos bairros de Bonsucesso e Del Castilho. O único serviço hospitalar oferecido nas redondezas é através de um posto de saúde na Fiocruz.
O comércio local desenvolve-se dentro das comunidades em caráter de subsistência, sendo mais sofisticado conforme a consolidação dos assentamentos. Quanto à mobilidade, existe oferta para toda a cidade, entretanto o acesso se dá em pontos específicos, o que acarreta geralmente o gasto de duas passagens, principalmente no transporte para a zona sul da cidade.
A Proposta
Buscando a reconexão do tecido urbano e social fragmentados, e na intenção de reverter o quadro de irregularidade fruto da ausência do Estado, a proposta de reassentamento da Comunidade Nova Era tem como objetivo principal proporcionar condições de habitabilidade satisfatórias, estendendo esse conceito para além do objeto habitação e incorporando outras dimensões como: inserção social, qualidade de vida e condições de salubridade satisfatórias, possibilidade de ascensão econômica e geração de renda a partir da moradia digna, e requalificação da dinâmica urbana de seu entorno.
A proposta tem ainda como meta a adoção de soluções econômicas e de baixo custo, levando em consideração as possibilidades de financiamento e real implantação de projetos característicos para população de baixa renda. Dentre as medidas adotadas destacam-se: a padronização das tipologias habitacionais e seu processo construtivo, a escolha de materiais acessíveis à população ou de fácil execução em canteiro, revenda e reaproveitamento dos produtos de demolição, utilizando ao máximo à infra-estrutura existente no terreno.
Todo o parcelamento implantado busca potencializar o convívio, as relações sociais e o espírito de comunidade, além de reproduzir de maneira racional o máximo aproveitamento de área livre sem prejudicar a qualidade de vida local. A divisão do parcelamento é feita a partir de lotes com 5 metros de testada e 10 de profundidade (5 x 10) seccionadas por um eixo viário carroçável e vias peatonais locais. A ordenação privilegia o pedestre e a importância do espaço público na formação do cidadão e do bem estar social. A arborização é usada de maneira a amenizar o calor causado pela concentração característica de projeto de assentamentos populares, criando um micro clima propício ao desenvolvimento humano sadio. Há ainda a previsão de futuras conexões viárias de “Embratel II” com as comunidades vizinhas, sendo a via carroçável o elemento formal de ligação.
O projeto apresenta um total de 312 unidades habitacionais, sendo uma unidade multifamiliar adaptada a um dos galpões e 300 unidades unifamiliares no parcelamento proposto. A escolha prioritária por unidades habitacionais individuais por lote se apresenta como melhor solução ao se analisarem os anseios dos moradores e os conflitos e inconvenientes pós-ocupacionais com vizinhos que compartilham o mesmo lote. Buscou-se ainda manter o máximo de qualidade espacial à aglomeração excessiva de habitações mínimas. Todas as unidades habitacionais unifamiliares têm 55 metros quadrados e estão dispostas em fita e geminadas nos fundos. Apresentam também área livre nos fundos para, além de agregar valor à moradia, gerar melhores condições de ventilação. Existe também previsão de ampliação no pavimento superior, no intuito de induzir e racionalizar a característica inerente de constante mutação desta população.
A proposta conta ainda com algumas unidades de uso comercial, numa tentativa de atrair comerciantes locais, servindo de agentes indutores de desenvolvimento da comunidade. Estão localizados em torno da praça e à frente do assentamento, fazendo a transição da avenida para as moradias.
Da infra-estrutura de galpões permanecerão como parte integrante da proposta os dois maiores. O galpão de um pavimento, que tem cerca de 15 metros de altura, está adaptado para uso habitacional. Serão retirados todos os painéis de fechamento de alvenaria permanecendo apenas a estrutura. Abrigará um edifício de três pavimentos com seis unidades habitacionais por andar. Todas com varandas, como alternativa à área de quintal.
O galpão de dois pavimentos, que tem aproximadamente 5 metros de pé-direito por andar, abrigará uma escola de ensino fundamental para aproximadamente 1500 alunos e uma creche para 150 crianças, seguindo a reivindicação da população local. Serão realizadas ainda adaptações para acomodação do eixo viário principal, permitindo melhor aproveitamento do parcelamento no terreno.
Outros equipamentos complementam a integração da população local na dinâmica formal da cidade. A área comunitária, com sede da associação de moradores e espaço para confraternização da comunidade; os pequenos galpões para realização de oficinas, ofícios, trabalhos de reciclagem de lixo e eco ponto, (remanejando o ferro velho existente), cursos profissionalizantes e atividades comunitárias em geral; duas quadras polivalentes, para incentivo a prática de esportes; brinquedos infantis, aparelhagem de ginástica e mobiliário de estar, encontrados na praça central; por fim, equipamentos de lazer localizados ao longo do caminho arborizado da suposta adutora.
Por fim, conclui-se que o estudo aqui proposto vai ao encontro do interesse do Estado em desenvolver projetos na área, requalificando imóveis inutilizados para fins habitacionais. Dessa maneira, são grandes as possibilidades de intervenções e projetos que proporcionem a qualidade da moradia e a inserção da população no tecido regular da cidade, além da revitalização da área de Manguinhos atualmente degradada.
Planta baixa da unidade unifamiliar - 1 pavimento
Imagem dos autores do projeto
Planta baixa da unidade unifamiliar- 2 pavimento e suas posiveis modificações
Imagem dos autores do projeto
Planta baixa do apartamento do bloco multifamiliar
Imagem dos autores do projeto
ficha técnica
Localização
Manguinhos, Rio de Janeiro - RJ
Área do terreno
30.000m²
Autores
Ana Letícia Barcellos, Pedro Durão, Rafael Miranda e Renato Tupinambá
Orientador
Profº Dr. Gerônimo Leitão